Na reta final das “artes proibidas” da magia renascentista (relembre aqui a geomancia, a hidromancia, a aeromancia e a piromancia), paramos de falar um pouco dos quatro elementos e resolvemos focar um pouco na figura do homem per se. Nessa última leva de artes ocultas, vamos hoje falar de quiromancia, restando apenas escapulimancia e necromancia, que também abordam o indivíduo como meio de divinação.
Talvez não seja novidade essa breve introdução, mas caso você seja um novato, como eu, vale a pena entender a profundidade da quiromancia durante os últimos séculos. A prática da leitura de mãos sempre faz parte de inúmeras nações e culturas como Nepal, Tibete, China, Pérsia, Suméria, Canaã e Babilônia. No entanto, é dito que teria se originado na Índia, onde o sábio hindu chamado Valmiki teria escrito um livro[1] com 567 stanzas, cujo título seria “Os ensinamentos do maharshi Valmiki sobre a quiromancia masculina” e, daí para frente, a prática teria chegado na Grécia.
Inclusive, é do grego kheir manteia que se dá o nome da técnica de divinação através da interpretação das linhas das mãos e dos dedos. Aristóteles teria descoberto a quiromancia em um altar dedicado a Hermes, contado para Alexandre o Grande (que adorou e já quis saber o futuro do império dele) e até mesmo escrito sobre o tema em seu Historia Animalium, descrevendo os traços que indicariam ou não a longevidade de um indivíduo.
Depois de cair em desuso por volta da Idade Média, a quiromancia passou por um reavivamento monumental no século 19, conforme crescia o interesse pelo ocultismo. Sociedades quirológicas foram fundadas para promover e avançar a prática no Reino Unido e nos Estados Unidos; leitores de mão, como William John Warner, nascido em Dublin, conhecido por seu pseudônimo “Cheiro” (lê-se “queirow“) acumulou seguidores globais. Em meados de 1900, a quiromancia estava totalmente integrada à cultura americana.
O futuro está nas suas mãos, pode chorar
Afinal, como isso funciona? Apesar de todas as divinações requererem estudo e prática, os fundamentos da quiromancia são até fáceis de aprender, se você souber qual tipo de abordagem e interpretação levar em conta. São diversas vertentes, umas mais clássicas (como as hindus) e outras mais populares (como o quirólogo das estrelas, Marcello Meneses), então fica complicado saber o que considerar como leitura indicada para iniciantes. Sendo assim, resolvi ficar com uma análise pessoal e mais moderada, que conecta preceitos de diferentes abordagens.
Servindo apenas como base referencial, o livro escolhido para elaborar esse texto publicado em 1885 e é atribuído a A. H. Noe[2], mas a verdade é que não se pode confirmar quem o escreveu. De qualquer forma, o texto nos traz uma visão muito clara de como a quiromancia era praticada no século 19, pouco antes da Golden Dawn se consolidar, o que torna essa abordagem muito cerimonial. Optei então por pesquisar diversos autores e elaborar um apanhado contemporâneo dos conceitos teóricos que vou abordar a seguir, para te ajudar desenvolver uma abordagem ampla.
Uma mão é na cabeça 🙆
Primeiro, precisamos entender que há duas importantes maneiras de interpretar os sinais das mãos, que comumente são tratadas como uma só. A quiromancia analisa as linhas e marcas nas mãos, enquanto a quirologia decodifica o formato de mãos e dedos. É ideal que você seja “fluente” em ambas abordagens, podendo avaliar o caráter do consulente e também analisar as possibilidades do futuro, colaborando na tomada de decisões, por exemplo.
Ao iniciar sua análise, é melhor começar com observações mais amplas, trabalhando em detalhes com mais nuances. Embora as opiniões variem entre os estudiosos, concordo com os quirólogos modernos que acreditam que é importante analisar tanto a mão esquerda quanto a direita: a mão passiva (não-dominante) revela personalidade e caráter naturais, enquanto a mão ativa (dominante) mostra como essas características foram atualizadas na prática. Juntas, revelam como essa pessoa está utilizando seu potencial nesta vida. Então se o consulente for destro ou canhoto, há importância sobre qual mão começar a leitura. Uma vez identificada a mão-ativa, é necessário compreender que há diversos pontos que devem ser observados quando fazemos uma leitura de mãos, os quais irei brevemente abordar abaixo.
Tipos de Mãos
1. Terra
2. Fogo
3. Ar
4. Água
1. Terra
São identificadas por palmas quadradas e dedos curtos, pele grossa ou áspera ao toque. Essas mãos costumam ser firmes, sólidas e carnudas. Indivíduos com mãos terrestres são conhecidos por serem práticos, lógicos e fundamentados. Embora seguros e confiáveis, eles podem ficar muito ocupados com suas realidades imediatas, o que pode atrapalhar o planejamento e a realização de longo prazo.
2. Fogo
Você pode distinguir uma mão de fogo pela sua palma longa e pelos dedos curtos. Costumam ter linhas fortes e “montes” definidos. Indivíduos com mãos de fogo são famosos por serem apaixonados, confiantes e trabalhadores. Eles são movidos por seus desejos e podem ser meio brutos e impulsivos.
3. Ar
São aquelas mãos com palmas quadradas e dedos longos, geralmente ossudas, com articulações salientes e dedos finos. Seus indivíduos são intelectualmente curiosos, mais sociáveis, com boas habilidades de comunicação. Também se distraem com facilidade e, se entediados, podem ficar ansiosos.
4. Água
Essas mãos se distinguem por suas palmas longas e ovaladas, seus dedos longos e cônicos. Geralmente são suaves ao toque e um pouco mais úmidas que o normal. São pessoas em sintonia com suas emoções, intuição e capacidade psíquica. São também criativos, sensíveis e tem seus sentimentos facilmente feridos, causando grande estresse interpessoal.
Agora, comece a observar as elevações e depressões da palma da mão. A topografia tem relação com os “planetas” da astrologia: Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Cada monte se relaciona a um tema diferente em nossa vida, e suas elevações revelam características equilibradas, enquanto as depressões exibem os pontos fracos, características que talvez recebam energia demais (e não deviam). Lembre-se: a observação topográfica não deve ser feita com a mão completamente aberta e esticada! Procure sempre deixar a mão em seu estado mais relaxado, como a pintura de Caravaggio (ali de cima) sugere.
Montes e Planícies
5. Monte de Júpiter
6. Monte de Saturno
7. Monte de Apolo
8. Monte de Mercúrio
9. Monte de Luna
10. Monte de Vênus
11,12,13. Montes e Planície de Marte
5. Monte de Júpiter, Mons Jovis
Localizado na base do dedo indicador, simboliza a confiança, a ambição, o poder e a liderança para cumprir um objetivo na vida. Se o monte for alto, essas características são consideradas aptidões divinas, o que pode acabar gerando uma certa soberba e inimizade. Se o monte for baixo, essa ambição toda se volta para o lado intelectual, ao mesmo tempo que faz com que essas pessoas sejam mais sensíveis. Se o monte for negativo (depressão), podem ser considerado excesso de vaidade e presunção.
6. Monte de Saturno, Mons Saturni
Está localizado na base do dedo médio e corresponde à nossa sabedoria, noção de responsabilidade e fortitude. Isso faz com que a pessoa demonstre apreço pela solidão, crença no fatalismo e uma determinação silenciosa, revelando assim sua integridade e profunda compreensão dos altos e baixos da vida. Se o monte for baixo, essa pessoa tem uma tendência a viver a vida de maneira fútil, desconsiderando sua sabedoria. Se o monte for alto, há um exagero nessas caraterísticas, podendo chegar a uma certa dramaticidade. Do mesmo jeito que, se o monte for negativo, indica uma pessoa depressiva e desanimada.
7. Monte de Apolo, Mons Solis
Encontrado na base do dedo anelar, esse monte tem seu nome derivado do Deus Sol da antiguidade clássica. Essa região da mão nos fala sobre o otimismo, a vitalidade e a essência de um indivíduo, com uma considerável inclinação ao artístico, à felicidade e ao sucesso. Se o monte for alto, além de alcançarem sucesso, são pessoas que tem um entusiasmo pela beleza, estando sempre rodeados de coisas e pessoas bonitas. Podem ser consideradas luxuosas e enérgicas, mas são também expansivas e generosas. Se o monte for baixo, indica uma tendência a serem mais bem sucedidos se estiverem a serviço de algo ou alguém, gerenciando projetos sociais, por exemplo; também são resilientes e encontram certo conforto quando têm a oportunidade de filantropia. Se o monte for negativo, é uma pessoa que não se valoriza tanto quanto deveria.
8. Monte de Mercúrio, Mons Mercurii
Situado embaixo do dedo mindinho, esse monte está conectado à comunicação e à inteligência, como o deus grego Mercúrio, revelando toda a nossa sagacidade, adaptabilidade e grandes habilidades sociais, expondo uma mente estratégica e sua desenvoltura. Isso pode ser positivo ou negativo, dependendo da interpretação das linhas (que veremos a seguir). Se o monte for alto, indica eloquência e rapidez de pensamento, tornando o indivíduo mais propenso ao sucesso atrelado a ciências ou comércio. Se o monte for baixo, traz uma certa agitação mental, um nervosismo, com uma possível falta de concentração que atrapalhe o sucesso. Agora, se o monte for negativo, pode levar a pessoa a agir de forma fraudulenta ou injusta, buscando sucesso pessoal em detrimento de outras pessoas.
9. Monte de Luna, Locus Luna
Fica localizado na parte inferior da palma da mão, também abaixo do dedo mindinho, e recebe seu nome em homenagem à antiga deusa romana que personificava a Lua; seu nome em latim indica que ali é o “lugar da lua”, aquela que ilumina a escuridão, aguça a intuição e os poderes psíquicos. Se o monte for alto, são pessoas intensamente românticas e idealistas, muito mais racionais quando se fala em amor de forma prática (não importa tanto a estética). Em relação ao sucesso pessoal, são mais inclinadas a apostarem alto seguindo sua intuição, então podem parecer inconsequentes. Se o monte for baixo, tomam para si a responsabilidade de ajudar à todos, e colecionar alguns muitos rancores no processo, pois conseguem identificar facilmente pessoas que estão contra suas ações. Se esse monte for negativo, é interessante que essas pessoas fiquem atentas às amizades que possuem, pois seu senso é menos evidente e subdesenvolvido.
10. Monte de Vênus, Mons Veneris
Localizado na parte inferior da palma da mão, bem na base do polegar, esse monte está ligado ao amor, sensualidade e atração, como a deusa sugere. Toda a sexualidade, a paixão, a indulgência, o magnetismo pessoal e as conexões emocionais estão sob o domínio dessa região. Se o monte for alto, revela a facilidade em dominar outras pessoas e e sua impulsividade, resultando em pessoas com inclinações meio tirânicas. Se o monte for baixo, isso é positivo, pois sugere que a pessoa tem as características mencionadas em balanço, há uma certa tendência a amar lascivamente, mas também são pessoas hospitaleiros e generosos que amam receber e entreter amigos. Se o monte for negativo, aí é um problema, porque vivenciam o amor de forma espiritual, numa busca (eterna?) pela companhia perfeita, pela conversa perfeita, pela pessoa perfeita, resultando em forte tendências ao negativismo.
11,12,13. Montes e Planície de Marte, Cavea Martis, Soror Martis, Via Martis
Marte é o deus romano da guerra e, na quiromancia, ele ocupa um terreno considerável, possuindo três regiões distintas, que definem três áreas distintas de nossa personalidade. O marte inferior (Inner Mars, Cavea Martis) representa nossa resiliência física, também conhecida como nossa capacidade de agressividade. Já o marte superior (Outer Mars, Soror Martis) fala sobre nossa resiliência emocional, expondo toda a força de vontade e perseverança que o indivíduo é capaz de exibir. Por fim, temos a planície de Marte (Plain of Mars, Via Martis), que geralmente é plana/côncava, então seu significado sempre está atrelado às linhas que passam por essa região.
As dobras e os vincos contidos em nossas palmas, referidas como linhas, são a primeira coisa que vem à nossa mente quando falamos de leitura de mãos: nossa impressão é que apenas as linhas tem significado, o que é bobagem, como vimos acima. Ainda assim, é através da análise do comprimento, da profundidade e da curvatura destas linhas que podemos formar narrativas e prever acontecimentos futuros, então lembre-se de que o contexto é tudo: observe onde cada linha começa e termina, o ponto de passagem e onde os vincos se cruzam.
Linhas
14. Linha da Cabeça
15. Linha do Coração
16. Linha do Sol
17. Linha do Destino
18. Linha da Vida
14. Linha da Cabeça, Via Cephalica
Nossa mente exerce papel fundamental na definição de nossa passagem e representa nossas curiosidades e atividades intelectuais. Essa linha está localizada no centro da palma da mão, normalmente começando no marte inferior e terminando no marte superior. Quanto maior a profundidade da linha, mais complexas são as atividades mentais. Quanto maior o comprimento da linha, mais áreas da nossas vidas serão dominadas pela razão. Se for ondulada, o indivíduo apresenta um pensamento mais progressivo, mas se for uma linha reta é uma abordagem mais tradicional. Se houverem quebras na linha, há um conflito mental que pode resultas em grandes descobertas pessoais. Se essa linha cruzar ou unir-se a linha do sol, então você precisa se lembrar que o seu sucesso depende somente das oportunidades que você agarra; se cruzar ou unir-se a linha do destino, prepare-se para enfrentar momentos instáveis sempre com racionalidade e praticidade.
15. Linha do Coração, Via Cardiaca
Aparentemente, nosso coração é mesmo quem lidera os sentimentos e governa todos os assuntos do amor, como os romances, as amizades, a sexualidade e os compromissos. Esta linha está localizada logo acima da linha da cabeça, sendo a linha mais alta na palma de nossa mão. É importante notar onde a linha começa: se for abaixo do dedo indicador, revela o contentamento nos relacionamentos; se começar abaixo do dedo médio, revela potencial para inquietação emocional. Quanto maior a profundidade da linha, maior a importância das relações interpessoais na vida do indivíduo. Quando maior for o comprimento, maior o tempo gasto (duração) em parcerias. Se houverem quebras ou bifurcações na linha, então essa pessoa terá diversos companheiros amorosos e vários laços transformadores ao longo da vida.
16. Linha do Sol, Via Solis
O sol joga luz sobre o nosso potencial e, assim como esperado, essa linha revela nossa fama, imagem pública e legado durante a vida. Está localizada abaixo do dedo anelar, mais pro centro da nossa mão, passando pela planície de Marte. Essa linha tende apresentar intersecções muito mais fáceis de analisar: se a linha do sol cruzar ou unir-se a linha do destino, então as conquistas serão advindas de eventos fora do domínio da pessoa; se cruzar ou unir-se a linha da cabeça, suas conquistas serão fruto de sua atuação direta, dependendo somente da força de vontade do indivíduo. Se essa linha não estiver conectada à nada, não se preocupe, analise seu comprimento (para descobrir o quão persistente você precisa ser para obter sucesso) e sua profundidade (para entender o quando o sucesso é fundamental na sua caminhada).
17. Linha do Destino, Via Saturni
Localizada bem no meio da nossa palma, subindo em direção ao monte de Saturno, temos a nossa linha do destino, revelando o quanto nossa vida será influenciada pela aleatoriedade dos acontecimentos além de nosso controle. Os quirólogos afirmam que essa linha, especificamente, tende a sofrer mais mudanças ao logo da nossa vida, ou seja, esse traçado na nossa palma da mão tende a se intensificar ou se apagar, dependendo do momento que estamos vivendo. Esta linha não dá uma previsão daquilo que vai acontecer, na verdade, ela reflete as coisas como estão no momento, nos dando oportunidade de interpretar as circunstâncias externas e tomar decisões importantes. Repare também se a linha do destino encontra outras linhas: se cruzar ou unir-se a linha do sol, as coisas vão simplesmente acontecer na sua vida e você precisa estar atento para identificar as muitas oportunidades; se cruzar ou unir-se a linha da cabeça, você precisa analisar delicadamente as condições atuais e pensar bem antes de tomar uma decisão. Quanto ao comprimento ou a profundidade, eles revelam a intensidade dos acontecimentos aleatórios afetando sua vida no momento da leitura.
18. Linha da Vida, Via Veneris
Costumamos pensar em Vênus/Afrodite apenas como deusas do amor, mas é importante lembrar que também eram responsáveis pela perpetuação da vida, da prosperidade e da vitória na vida dos mortais. Quanto maior for a profundidade dessa linha, maior será a riqueza das experiências que viverá durante sua vida. Quanto maior for o comprimento, mais é a influência de outras pessoas em seu caminho individual. Lembre-se que usamos a Via Veneris para avaliar a jornadas das pessoas, então uma linha curta não significa morte súbita, só significa que você leva uma vida mais autônoma! Pode ser que sua linha da vida chegue a cruzar ou unir-se a linha do destino, nesse caso separe toda a sua vitalidade e seu entusiasmo para a aventura que será viver essa vida.
Uma mão é na cintura 💁
Há algumas outras linhas secundárias (como a linha de Urano, de Netuno, de Mercúrio, de Leite, a linha Mensa e a Restricta, além dos Rascetes) que são comumente consideradas superficiais e duvidáveis, por “anteverem” o número de casamentos, de filhos, de vícios e viagens, “indicarem” uma inclinação mediúnica, ou até mesmo “prever” condições de saúde. Optei por não falar sobre elas porque, após muito estudo, entendi que a quiromancia não é uma prática simples que produz respostas fixas, então não seria possível prever uma série de coisas que essas linhas secundárias afirmam. E isso não quer dizer que você não possa consultar essas linhas, só te peço que não considere as informações que obtiver como se fosse uma predestinação absoluta, ok? Na melhor das hipóteses, a quiromancia é uma oportunidade de desenvolver uma visão que ilumina o caminho à frente.
[1] DWIVEDI, Dr. Bhojraj. The Wonders of Palmistry. Nova Dheli, Diamond Pocket Books, 2002. [2] NOE, A. H. The Witches Dream Book and Fortune Teller. Londres, Forgotten Books, 2012. | compre aqui ou acesse a versão com restrições clicando aqui. [3] esse longuíssimo PDF sobre quiromancia hindu também foi consultado para a confecção deste artigo Imagens: Sage Aune @sagepizza
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